A verdade sobre o Pai da Aviação
'Wings of Madness', livro de
Paul Hoffman, prova que Santos=Dumont inventou o avião
Santos=Dumont:
ranzinza, rico e brilhante
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SIMON WINCHESTER
The New York Times
Considerando que a
aviação comercial se tornou um negócio tão infeliz, é surpreendente que
alguém reivindique a invenção do avião. Mas um grande número de pessoas
o faz. Nos Estados Unidos, gente da Carolina do Norte acha que, graças
a Kitty Hawk, seu estado foi o primeiro a voar; os de Ohio insistem
que, como os irmãos Wright nasceram lá, Dayton foi o verdadeiro Berço
da Aviação.
Além dessas praias existe, é claro, um desprezo pelas
alegações de que a aviação tenha começado nos Estados Unidos. Abundam
as reivindicações rivais.
Na Inglaterra, há uma pequena e cidade no condado de Somerset
chamada Chard, conhecida pela fabricação de rendas e suco de maçã, que
se proclama o berço do vôo motorizado, graças a um herói local do
século 19, John Stringfellow, que fez uma engenhoca equipada com motor
a vapor se levantar do chão e percorrer uns três metros no ar.
Os franceses, naturellement, fazem uma reivindicação ainda
mais antiga e consideram seus irmãos Montgolfier, que viveram um século
antes, os criadores do vôo como um conceito.
Assim, as confusões e disputas aéreas continuam em todo lugar
- menos no Brasil. Pois nenhum brasileiro saudável tem a menor dúvida:
o verdadeiro pai da aviação é Alberto Santos=Dumont, um elegante,
diminuto, excêntrico, ranzinza, rico, incontrolavelmente exibido
e filho de um cafeicultor de Minas Gerais que construiu máquinas
mais leves e também mais pesadas que o ar, movidas a gasolina, na
aurora do século passado, e as pilotou com pompa, destreza e brio sobre
Paris e meio mundo além, enquanto os Wright ainda tentavam vender sua
invenção ao Departamento de Guerra.
Como mostra a história contada com brilhantismo por Paul
Hoffman em Wings of Madness, Santos=Dumont realmente era um homem como
poucos, sem dúvida figura muito mais interessante e multicolorida que
os tediosos mecânicos de bicicleta de Dayton.
Santos=Dumont tornou-se fascinado com a idéia de voar quase a
partir do momento em que chegou a Paris, em 1891, aos 18 anos. Munido
de meio milhão de dólares em dinheiro de herança (seu pai lhe havia
adiantado a quantia, provocando-o: "Vamos ver se você se torna um
homem"), ele comprou carros motorizados, teve aulas de ciência e se
transformou num dedicado tecnófilo.
Até que um dia leu um livro sobre uma fracassada expedição ao
Pólo Norte num balão. Empolgado pela foto da capa, ele planejou seu
primeiro vôo, em 1897, inspirado nos dois parisienses que haviam
construído a malfadada aeronave polar.
A experiência o mudou para sempre: em semanas, ele começou a
construir seus próprios balões. Montou um pequeno motor de triciclo e
uma grande hélice num deles, decolou e ficou perambulando acima das
nuvens.
E a partir de então fez carreira passeando ruidosamente pelos
céus de Paris, para o deleite e o assombro das multidões lá embaixo.
Estava sempre experimentando, mudando a forma dos balões cheios de
hidrogênio, modificando o tamanho dos motores que eternamente falhavam
e brincando com o desenho do cesto.
A França foi cativada pelo inventor. Um concurso foi
organizado para ver quem completava mais rápido uma volta aérea em
torno da nova Torre Eiffel.
"Le petit Santos" venceu. Tornou-se amado e bem relacionado.
As mulheres o adoravam, (embora achassem irritante que ele fosse
incapaz de conversar sobre outra coisa que não os vôos, meteorologia e
carburação de quatro tempos).
As histórias que Hoffman conta do corajoso balonismo de
Santos=Dumont e de seus experimentos posteriores com máquinas mais
pesadas que o ar são um deleite em si mesmas (seu vôo de 1906 no
14-bis, que a imprensa apelidou de Ave de Rapina, é considerado o
primeiro vôo motorizado da história).
Também são saborosos os detalhes sobre seu estilo e suas
manias. Ele mantinha uma mesa com quase dois metros de altura no
Maxim's, onde jantava depois de cada vôo, e usava relógios de pulso
desenhados especialmente para ele por Louis Cartier.
Mas também havia um lado mais negro. No fim, Santos=Dumont
mostrou-se uma figura trágica: ficou doente e deprimido com o rápido
sucesso de relações públicas dos irmãos Wright e chocado ao saber que
aquilo que via como sua invenção fora na Grande Guerra. Morreu por
suicídio em 1932, aos 59 anos, sob circunstâncias que Hoffman revela
integralmente.
É este lado humano da história que o livro inesquecivelmente
bom de Hoffman conta com compaixão e simpatia. Suas revelações
provavelmente causarão uma pequena sensação no Brasil. Nos Estados
Unidos, onde Santos=Dumont é hoje quase um desconhecido, o livro merece
alçá-lo de novo à estatura heróica da qual ele outrora desfrutou, ainda
que brevemente.(Tradução de Alexandre Moschella)
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