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O homem que roubou o coração de Santos-Dumont

Lins de Barros conta essa e outras estórias curiosas sobre a personalidade do aviador


Alberto Santos-Dumont em foto de 1907

Na edição de 27 de junho, o Jornal da Ciência publicou uma entrevista com o físico Henrique Lins de Barros, autor de Santos-Dumont e a invenção do vôo. Confira a seguir trechos inéditos dessa entrevista, nos quais o pesquisador apresenta traços pitorescos do caráter do "pai da aviação".

O que significa o personagem Santos-Dumont para o povo brasileiro?

Todo ano, com o aniversário de Santos-Dumont [20 de julho] e o dia da aviação [23 de outubro], existe uma febre em torno de uma figura que é absolutamente lendária no Brasil. Quando ele vinha ao país, viajava muito. Há marcos de sua passagem em várias cidades e todas elas guardaram relíquias. A mais fantástica é o coração dele. Quando Santos-Dumont se suicidou aos 59 anos, o médico que fez a autópsia achou um crime enterrar o coração de pessoa tão generosa. Então ele tirou o órgão, guardou e enterrou o corpo sem coração, o que é proibido por lei. Dez anos depois, esse médico fez a doação do coração do Santos-Dumont ao Ministério da Aeronáutica. O órgão foi colocado numa escultura de jade, com uma esfera de ouro, e está exposto no Museu Aeroespacial, no Rio de Janeiro.


Como era a personalidade de Santos-Dumont?

Ele tem uma personalidade complexa. É muito raro uma pessoa num estado de depressão profunda procurar o sanatório para pedir tratamento [como fez Santos-Dumont diversas vezes em seus últimos anos de vida, em decorrência do uso bélico de seu invento]. Isso exige uma iniciativa que o deprimido não tem. Santos-Dumont poderia ser chamado de Santo Dumont. Ele é santo, não tem as características humanas bem definidas. Discute-se se ele se casou ou não, se era misógino ou não, o que fazia afinal em seu lado humano. Ele não tem erros. Fala-se que ele morreu porque estava desgostoso de ver o avião sendo usado para matar seus irmãos, mas na verdade foi um estado de depressão de vários anos.


Que outro aspecto de seu caráter poderíamos destacar?

Ele era muito esquisito, muito gaiato. Em 1901, quando ganhou o primeiro prêmio, houve uma divergência entre a comissão avaliadora, que adiou a sua concessão. Santos-Dumont já havia declarado que daria o dinheiro para os operários de Paris, para as famílias necessitadas. Com isso, consegue toda a opinião pública a seu favor. Um jornalista então pergunta: "Como o senhor fez esse vôo?". E ele responde: "Eu não sei se voei ou não, sou muito distraído, muito esquecido. Vocês é que dizem que voei, que passei pela Torre Eiffel e voltei aqui". Ele joga com as palavras, a forma de falar era esquisitíssima. Ele criava em torno de si uma imagem muito diferente, que a partir do suicídio vai se tornando inumana, o que justifica guardar as relíquias.


Como você avalia a produtividade do Santos-Dumont?

Num período de 10, 12 anos, ele projeta, constrói, experimenta e voa mais de 20 vezes -- uma produção absurda, que não tem semelhante em nenhum outro inventor, já que ele fazia o projeto, acompanhava a montagem e pilotava. Há um relato do Voisin [Gabriel Voisin (1880-1973), aviador francês amigo de Santos-Dumont] que diz que nenhum dos inventores entendia como o brasileiro conseguia produzir tão rápido. Ele era muito mais rápido do que todos.


Em 2006 o 14 Bis completará cem anos. O que está sendo organizado para a ocasião?

Conheço mais ou menos 40 projetos com ações em torno do centenário, em geral vídeos, produtos audiovisuais, programas para crianças. Podemos até fazer um réplica do 14 Bis. Não existe uma coordenação federal, é isso que estamos tentando criar. Acho que deveria ser uma atribuição do Ministério da Ciência e Tecnologia. Politicamente para o governo Lula seria um gol, fecharia o governo com uma mobilização nacional.

Leia também:
Um novo olhar sobre a conquista dos céus

Entrevista concedida a
José Monserrat Filho,
Carla Almeida e
Daniela Oliveira
Jornal da Ciência

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