É provável que a passagem do centenário
deste feito esteja sendo mais celebrada em Paris do que no Rio
de Janeiro, São Paulo ou Minas Gerais, onde nasceu este
inventor, em uma casa transformada em museu e na cidade que
hoje leva o seu nome. Às margens da ferrovia Pedro II que,
àquela época, 1873, cortava o Brasil adentro, levando
progressos, esperanças e a presença do Estado imperial, recém
reafirmado em sua soberania com a vitória na Guerra do
Paraguai, porém, falido em suas finanças e carente da expansão
da atividade econômica e de desenvolvimento.
Em sua casa de Petrópolis, que batizou com o nome de
Encantada, construção cunhada nas pirambeiras do Morro do
Encanto, recanto íntimo de algumas preciosidades e
privacidades do gênio e do jeito de Santos Dumont, um café da
manhã vai comemorar a data, seguido de festividades promovidas
pela Secretaria de Cultura do município.
Fora os discursos oficiais das autoridades, a primeira
grande celebridade internacional do Brasil - Santos Dumont -
ainda é uma personalidade pouco conhecida da grande massa de
seus patrícios brasileiros e sua vida e obra ainda suscitam
polêmicas. Suicidou-se em julho de 1932, em Guarujá, amarrando
a gravata ao chuveiro. Isto, em plena revolução
constitucionalista e durante um bombardeio aéreo das tropas
federais a São Paulo.
Apesar de ter previsto o uso do avião para fins militares,
os ataques aéreos agravaram ainda mais o seu estado
depressivo. Afinal, inventara o instrumento que naquele
momento estava sendo usado para matar pessoas e aspirações e
não conduzir sonhos.
Seu suicídio foi escondido do público durante muitos anos,
bem como seu atestado de óbito foi adulterado para que não se
conhecesse a real causa de sua morte. O próprio médico legista
tirou-lhe o coração, à revelia da família, e somente em 1942 o
órgão reapareceu, tendo sido doado pelo próprio legista à
Força Aérea Brasileira (FAB), que o preserva até hoje em
câmara ardente.
Hoje, os restos de
Santos Dumont descansam à sombra de uma frondosa mangueira, em
Botafogo, no jazigo que mandou construir para a família, na
aléa mais antiga do cemitério São João Batista. Ali, nesses
dias primaveris, é possível apreciar a réplica da estátua de
Ícaro com que foi homenageado, em Paris, em 1913, pelo
Aeroclube da França, e ouvir os insistentes e belos gorjeios
de sabiás, coleiros e bentevis que ali triscam e fazem morada,
quem sabe em apreço à companhia que ali jaz.
Quem conhece pouco da vida e dos inventos de Santos Dumont
ainda tem tempo para aprender. Isto porque dentro de cinco
anos será comemorado um outro centenário: o do primeiro vôo,
não de um balão dirigível com motor a petróleo, mas de um
aeroplano mais pesado do que o ar: o 14 Bis, que levantou vôo,
sem recurso de qualquer lançador ou catapulta, pela primeira
vez, em setembro de 1906, tendo a bordo o seu inventor, Santos
Dumont.