13/11/99
E o mundo não acabou
Bráulio Tavares
Dizem as biografias de Santos Dumont
que seu quarto balão, chamado em uma contagem descontraidamente
brasileira de nº 3, se destacou pelo fato de ter sido o primeiro que
se elevou com gás de iluminação – e o primeiro para
o qual foi construído um hangar.
O gás de iluminação
substituía o hidrogênio, que até então era o
gás mais utilizado para inflar os balões da época.
O vôo foi realizado no dia 13 de novembro de 1899 – o dia exato em
que, segundo os videntes do “fim do século”, o mundo iria acabar.
Não sei por que motivo nostradâmico
se previa o fim do mundo para esta data, e não para 31 de dezembro.
Vai ver que assim como 13 é 31 ao contrário, novembro é
dezembro ao contrário – para essa turma pêndulo
- de - foucault, qualquer coisa pode ser demonstrada verbalmente.
Santos Dumont, ao que parece, não
tinha problemas com o número 13, pois além de desafiar o
Apocalipse anunciado, construiu e pilotou um balão com esse número,
mesmo vindo de duas tentativas abortadas com os números 11 e 12.
No nº 13 voou em 1905, e deve ter trazido sorte ao aviador, porque
logo em seguida veio o 14 e seu upgrade, o 14-Bis, e o resto é história.
Não imagino que Santos Dumont
não acreditasse em superstições: ao que parece foi
por superstição que ele pulou o número 8, e na prática
isso equivale a recear o 13, o 7 ou qualquer outro.
Mas, como temos o hábito mental
de tirar lições de fatos aleatórios, aproveitemos
este 13 de novembro para relembrar a reação de Santos Dumont,
que foi provavelmente a de dizer: “Não, não tenho medo de
que o mundo vá acabar hoje. Para falar a verdade, acabei de construir
um troço complicadíssimo que nem eu mesmo tenho certeza se
vai voar ou não, e não tenho tempo de pensar em fim do mundo.”
O mundo não acabou: foi o balão
de Santos Dumont que acabou voando. Podemos aproveitar a outra informação
(foi para este balão que ele construiu o primeiro hangar) como uma
prova de seu otimismo, de sua certeza de que não apenas o mundo
não ia acabar, mas talvez chovesse dali a alguns dias, e era preciso
guardar o balão num lugar coberto.
Mas, e o número 8? Terá
sido a prudência de Santos Dumont, evitando esse número tão
evidentemente perigoso, que salvou o Universo em que vivemos hoje ?
Bem, tudo é possível.
Mas o melhor complemento da lição será, talvez, pensar
que não comemoramos a data em que Fulano deixou de voar: comemoramos
aquela em que ele de fato voou, sem se preocupar com milênios, cabalismos,
superstições e catástrofes anunciadas que afinal só
interessam a quem vive passando cheque pré-datado.
Bráulio Tavares, autor de ‘O Homem Artificial’, é poeta,
compositor e contista