Este ano, com grande pompa, os EUA estarão comemorando o
“The Centennial of Flight”, que festeja o alardeado vôo dos
irmãos Wright. É inevitável então que se
fale da polêmica de quem voou primeiro, Wilbur e Orville ou o
nosso Alberto Santos-Dumont. Mas há mesmo o que discutir sobre
isso? Acompanhe a primeira de uma série de matérias que
faremos enquadrando várias faces deste assunto...
Quem olhar o nosso Calendário Voador desta
edição, verá as datas de várias
comemorações norte-americanas do "The Centennial of
Flight", que serão acompa-nhadas por algumas em países de
língua inglesa, como a Austrália e o próprio Reino
Unido. Nós, de ASAS, tratamos destas festividades por seu nome
em inglês, perceba-se, porque simplesmente ele perde todo o
sentido em português – o Centenário do Vôo, como se
deve saber por aqui será em 2006.
Então, do que se fala nestas festividades em 2003 ?
Do suposto vôo do Flyer, máquina voadora dos
irmãos Wilbur e Orville Wright, em Kill Hills Beach, em 17 de
dezembro de 1903.
Bem, para começar a análise deste vôo pioneiro,
vamos dar inicialmente a palavra ao próprio Alberto
Santos=Dumont, que trata do assunto de modo brilhante e perspicaz em "O
que eu vi, o que nós veremos":
"No ano seguinte (1907), o aeroplano Farman fez vôos que se
tornaram célebres; foi esse inventor-aviador que primeiro
conseguiu um vôo de ida e volta. Depois dele veio Blériot,
e só dois anos mais tarde é que os irmãos Wright
fazem os seus vôos É verdade que eles dizem ter feito
outros, porém às escondidas.
Eu não quero tirar em nada o mérito dos irmãos
Wright, por quem tenho a maior admiração; mas é
inegável que, só depois de nós, se apresentaram
eles com um aparelho superior aos nossos, dizendo que era cópia
de um que tinham construído antes dos nossos.
Logo depois dos irmãos Wright, aparece Levavassor com o
aparelho Antoinette, superior a tudo quanto, então, existia;
Levavassor havia já 20 anos que trabalhava em resolver o
problema do vôo; pode-se, pois, dizer que o seu aparelho era
cópia de outro construído muitos anos antes. Mas
não o fez.
O que diriam Thomas A. Edison, Graham Bell ou Guillermo Marconi se,
depois que apresentaram em público a lâmpada
elétrica, o telefone e o telégrafo sem fios, um outro
inventor se apresen-tasse com uma melhor lâmpada elétrica,
telefone ou telégrafo sem fios, dizendo que os tinha
construído antes deles !?
A quem a humanidade deve a navegação aérea
pelo mais pesado que o ar ? As experiêcias dos irmãos
Wright feitas às escondidas (eles são os próprios
a dizer que fizeram todo o possível para que não
transpirasse nada dos resultados de suas experiências) e que
estavam tão ignoradas no mundo, que vemos todos qualificarem os
meus 250 metros de ‘minuto memorável na história da
aviação', ou é aos Farman, Blériot e a mim,
que fizemos todas as nossas demonstrações diante de
comissões científicas e em plena luz do sol ?"
As palavras de Santos=Dumont colocadas, vamos agora analisar uma
série de pontos sobre a "primazia" dos irmãos Wright, que
certamente formam juntos um quadro muito interessante...
Depois da morte do pioneiro alemão Otto Lilienthal, Chanute
e Langley levaram aos EUA as experienaas deste com planadores e
passaram a desenvolvê-Ias ainda mais. Só então
Wilbur e Orville Wright iniciaram seus experimentos com planadores, em
võos não-motorizados, em Kitty Hawk.
Mais tarde, eles moveriam o local de suas experiências para
Dayton, no Ohio.
As experiências dos irmãos Wright em Kitty Hawk ou
Dayton, não despertaram a curiosidade da vizinhança em
nenhuma das ocasiões. Similarmente, eles não causaram
qualquer comoção em qualquer viajante ou transeunte, o
que deve ser destacado, pois próximo existiam estradas de
tráfego bastante intenso (para a época).
De fato, dessas experiências não se tem nenhuma
testemunha fidedigna. Inclusive, em certa ocasião, os Wright
convidaram repórteres de jornais locais para assistirem aos seus
experimentos. Octave Chanute estava entre eles e, como testemunha
ocular, deixou claro que não houve nenhuma decolagem.
É fato que na ausência de testemunhas reais dos
alegados vôos, os defensores da primazia do vôo dos Wright
usam como prova um suposto diário, em que os próprios
irmãos, de seu punho, teriam relatado as suas
realizações...
Já em 1904, os irmBos Wright requisitaram direitos de
patente junto ao governo britânico para um “planador sem motor"
(engineless glider), que eles haviam inventado.
Tal pedido soa fantástico, pois aparentemente, um ano antes
(1903), eles haviam tido sucesso em inventar uma aeronave dotada de
motor...
Mais tarde ainda, em 1905, os irmãos enviaram uma carta ao
Ministério da Guerra norte-americano, em que propunham a
construção de uma máquina voadora.
Nenhum projeto ou especificação acompanhava tal
proposta, e as autoridades governamentais dos EUA responderam que,
antes de analisarem as sugestões e a proposta, seria
interessante a realização de uma
demonstração que mostrasse a viabilidade do
empreendimento – nas palavras usadas no documento oficial, "o aparelho
deverá ter chegado ao estágio de operação
prática".
E num documento oficial, relativo à mesma proposta,
coloca-se o assunto do seguinte modo: "recomendamos que os senhores
Wright sejam informados que o escritório (do Ministério
da Guerra) não irá formular nenhum requerimento acerca da
performance de uma máquina voadora ou tomar qualquer outra
ação até que uma máquina seja
construída que possa ser mostrada em operacão real, sendo
capaz de fazer um vôo horizontal e de carregar um operador".
Diante de tal posicionamento. os Wright abandonaram o assunto. Por
quê ? Uma vez que tendo voado em 1903, eles facilmente poderiam
realizar a demonstração pedida pelas au-toridades.. Ou
não poderiam ?!
Naquele mesmo ano de 1905, numa carta ao capitão
francês Ferber, um grande entusiasta dos planadores, os Wright
comentariam sua decisão de interromper seus experimentos, de
modo a poderem manter em segurança o segredo de sua
invenção (!?) De fato, aparentemente, não
realizaram mais experiências por cerca de três anos.
Mas isto não impediria que, em 1906 sugerissem ao governo
francês que este comprasse a máquina voadora que vinham
mantendo em grande segredo, embora tal proposta não viesse
acompanhada de nenhuma oferta de uma demonstração da
praticabilidade da mesma. Como acontecera com o governo
norte-americano, o francês também não se
interessou, e então os Wright se voltaram para grupos de
empresários, tentando impressioná-los sobre seu artefato
secreto.
Mais uma vez, nenhum resultado tiveram, pois também os
empresários, obviamente, exigiram provas de que a máquina
podia fazer o que os Wright dela falavam.
Na opinião, isenta e digna de crédito, do cap. Ferber
(que aliás foi agente dos Wright em várias
negociações), os irmãos "tornaram-se apreensivos,
desde que ninguém parecia interessado em seu invento,(Enquanto
isso) Santos=Dumont, Delagrange e então Farman começavam
a causar sensações (com suas respectivas
invenções).
Em 1907. enfim, os irmâos Wright decidiram ir à
Europa, de modo que pudessem pessoalmente estabelecer
negociações para a venda de seu invento. Entretanto, eles
ainda se recusavam a realizar uma demonstração-prova
definitiva e pública do mesmo.
Nessa época, não só Alberto Santos=Dumont, mas
também Voisin, Blériot, Farman e Delagrange estavam todos
já voando máquinas “mais pesadas que o ar.
Somente em 1908, os Wright finalmente realizaram, na Europa, a
primeira demonstração com a máquina que haviam
criado.
Foi então verificado que o aparelho não conseguia
decolar por seus próprios meios, totalmente independente de
auxílios externos.
Ao contrário, ele era lançado ao ar através de
uma catapulta instalada numa rampa. Dotada de esquis, não de
rodas, a máquina dos norte-americanos, o Flyer, era incapaz de
alçar-se aos céus sozinha, sem que houvesse o emprego da
catapulta. Somente em 1910 foram adaptadas rodas ao Flyer ...
O resto fica por conta das suas reflexões, leitor.