Santos=Dumont X Irmãos Wright
UMA FALSA POLÊMICA

Revista ASAS - Ano II - Número 11 - Fev/Mar-2003

Este ano, com grande pompa, os EUA estarão comemorando o “The Centennial of Flight”, que festeja o alardeado vôo dos irmãos Wright. É inevitável então que se fale da polêmica de quem voou primeiro, Wilbur e Orville ou o nosso Alberto Santos-Dumont. Mas há mesmo o que discutir sobre isso? Acompanhe a primeira de uma série de matérias que faremos enquadrando várias faces deste assunto...

Quem olhar o nosso Calendário Voador desta edição, verá as datas de várias comemorações norte-americanas do "The Centennial of Flight", que serão acompa-nhadas por algumas em países de língua inglesa, como a Austrália e o próprio Reino Unido. Nós, de ASAS, tratamos destas festividades por seu nome em inglês, perceba-se, porque simplesmente ele perde todo o sentido em português – o Centenário do Vôo, como se deve saber por aqui será em 2006.

Então, do que se fala nestas festividades em 2003 ?

Do suposto vôo do Flyer, máquina voadora dos irmãos Wilbur e Orville Wright, em Kill Hills Beach, em 17 de dezembro de 1903.

Bem, para começar a análise deste vôo pioneiro, vamos dar inicialmente a palavra ao próprio Alberto Santos=Dumont, que trata do assunto de modo brilhante e perspicaz em "O que eu vi, o que nós veremos":

"No ano seguinte (1907), o aeroplano Farman fez vôos que se tornaram célebres; foi esse inventor-aviador que primeiro conseguiu um vôo de ida e volta. Depois dele veio Blériot, e só dois anos mais tarde é que os irmãos Wright fazem os seus vôos É verdade que eles dizem ter feito outros, porém às escondidas.

Eu não quero tirar em nada o mérito dos irmãos Wright, por quem tenho a maior admiração; mas é inegável que, só depois de nós, se apresentaram eles com um aparelho superior aos nossos, dizendo que era cópia de um que tinham construído antes dos nossos.

Logo depois dos irmãos Wright, aparece Levavassor com o aparelho Antoinette, superior a tudo quanto, então, existia; Levavassor havia já 20 anos que trabalhava em resolver o problema do vôo; pode-se, pois, dizer que o seu aparelho era cópia de outro construído muitos anos antes. Mas não o fez.

O que diriam Thomas A. Edison, Graham Bell ou Guillermo Marconi se, depois que apresentaram em público a lâmpada elétrica, o telefone e o telégrafo sem fios, um outro inventor se apresen-tasse com uma melhor lâmpada elétrica, telefone ou telégrafo sem fios, dizendo que os tinha construído antes deles !?

A quem a humanidade deve a navegação aérea pelo mais pesado que o ar ? As experiêcias dos irmãos Wright feitas às escondidas (eles são os próprios a dizer que fizeram todo o possível para que não transpirasse nada dos resultados de suas experiências) e que estavam tão ignoradas no mundo, que vemos todos qualificarem os meus 250 metros de ‘minuto memorável na história da aviação', ou é aos Farman, Blériot e a mim, que fizemos todas as nossas demonstrações diante de comissões científicas e em plena luz do sol ?"

As palavras de Santos=Dumont colocadas, vamos agora analisar uma série de pontos sobre a "primazia" dos irmãos Wright, que certamente formam juntos um quadro muito interessante...

Depois da morte do pioneiro alemão Otto Lilienthal, Chanute e Langley levaram aos EUA as experienaas deste com planadores e passaram a desenvolvê-Ias ainda mais. Só então Wilbur e Orville Wright iniciaram seus experimentos com planadores, em võos não-motorizados, em Kitty Hawk.

Mais tarde, eles moveriam o local de suas experiências para Dayton, no Ohio.

As experiências dos irmãos Wright em Kitty Hawk ou Dayton, não despertaram a curiosidade da vizinhança em nenhuma das ocasiões. Similarmente, eles não causaram qualquer comoção em qualquer viajante ou transeunte, o que deve ser destacado, pois próximo existiam estradas de tráfego bastante intenso (para a época).

De fato, dessas experiências não se tem nenhuma testemunha fidedigna. Inclusive, em certa ocasião, os Wright convidaram repórteres de jornais locais para assistirem aos seus experimentos. Octave Chanute estava entre eles e, como testemunha ocular, deixou claro que não houve nenhuma decolagem.

É fato que na ausência de testemunhas reais dos alegados vôos, os defensores da primazia do vôo dos Wright usam como prova um suposto diário, em que os próprios irmãos, de seu punho, teriam relatado as suas realizações...

Já em 1904, os irmBos Wright requisitaram direitos de patente junto ao governo britânico para um “planador sem motor" (engineless glider), que eles haviam inventado.

Tal pedido soa fantástico, pois aparentemente, um ano antes (1903), eles haviam tido sucesso em inventar uma aeronave dotada de motor...

Mais tarde ainda, em 1905, os irmãos enviaram uma carta ao Ministério da Guerra norte-americano, em que propunham a construção de uma máquina voadora.

Nenhum projeto ou especificação acompanhava tal proposta, e as autoridades governamentais dos EUA responderam que, antes de analisarem as sugestões e a proposta, seria interessante a realização de uma demonstração que mostrasse a viabilidade do empreendimento – nas palavras usadas no documento oficial, "o aparelho deverá ter chegado ao estágio de operação prática".

E num documento oficial, relativo à mesma proposta, coloca-se o assunto do seguinte modo: "recomendamos que os senhores Wright sejam informados que o escritório (do Ministério da Guerra) não irá formular nenhum requerimento acerca da performance de uma máquina voadora ou tomar qualquer outra ação até que uma máquina seja construída que possa ser mostrada em operacão real, sendo capaz de fazer um vôo horizontal e de carregar um operador".

Diante de tal posicionamento. os Wright abandonaram o assunto. Por quê ? Uma vez que tendo voado em 1903, eles facilmente poderiam realizar a demonstração pedida pelas au-toridades.. Ou não poderiam ?!

Naquele mesmo ano de 1905, numa carta ao capitão francês Ferber, um grande entusiasta dos planadores, os Wright comentariam sua decisão de interromper seus experimentos, de modo a poderem manter em segurança o segredo de sua invenção (!?) De fato, aparentemente, não realizaram mais experiências por cerca de três anos.

Mas isto não impediria que, em 1906 sugerissem ao governo francês que este comprasse a máquina voadora que vinham mantendo em grande segredo, embora tal proposta não viesse acompanhada de nenhuma oferta de uma demonstração da praticabilidade da mesma. Como acontecera com o governo norte-americano, o francês também não se interessou, e então os Wright se voltaram para grupos de empresários, tentando impressioná-los sobre seu artefato secreto.

Mais uma vez, nenhum resultado tiveram, pois também os empresários, obviamente, exigiram provas de que a máquina podia fazer o que os Wright dela falavam.

Na opinião, isenta e digna de crédito, do cap. Ferber (que aliás foi agente dos Wright em várias negociações), os irmãos "tornaram-se apreensivos, desde que ninguém parecia interessado em seu invento,(Enquanto isso) Santos=Dumont, Delagrange e então Farman começavam a causar sensações (com suas respectivas invenções).

Em 1907. enfim, os irmâos Wright decidiram ir à Europa, de modo que pudessem pessoalmente estabelecer negociações para a venda de seu invento. Entretanto, eles ainda se recusavam a realizar uma demonstração-prova definitiva e pública do mesmo.

Nessa época, não só Alberto Santos=Dumont, mas também Voisin, Blériot, Farman e Delagrange estavam todos já voando máquinas “mais pesadas que o ar.

Somente em 1908, os Wright finalmente realizaram, na Europa, a primeira demonstração com a máquina que haviam criado.

Foi então verificado que o aparelho não conseguia decolar por seus próprios meios, totalmente independente de auxílios externos.

Ao contrário, ele era lançado ao ar através de uma catapulta instalada numa rampa. Dotada de esquis, não de rodas, a máquina dos norte-americanos, o Flyer, era incapaz de alçar-se aos céus sozinha, sem que houvesse o emprego da catapulta. Somente em 1910 foram adaptadas rodas ao Flyer ...

O resto fica por conta das suas reflexões, leitor.

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