Ao princípio havia como concorrentes (217), entre outros, Voisin,
Blériot e Santos-Dumont.
Este moço inventor brasileiro, que começara as suas notáveis
realizações em dirigíveis com a novidade de serem
movidos por motores leves de explosão, passou então a tentar
o "mais pesado que o ar".
Depois de várias experiências de estudo, rebocando um planador
com uma lancha, ou suspendendo-o de um balão, S. Dumont foi levado
a usar um aparelho de células, o 14-bis, montado em rodas de bicicleta,
com asas "em forma de um V muito aberto" (197) - a qual facilitava o equilíbrio
transversal - tendo, alguns metros na frente, outra célula que constituía
"leme de profundidade e direcção". Dois elerões em
losango, "à esquerda e à direita", foram adicionados para
"controlar a estabilidade lateral" (198, 200). Assim o registou Ferber.
Enfim, apesar de o peso, de só 300 kgs. (198), o ter obrigado a
trocar o impotente motor de 24 por outro de 50 cavalos (191), impulsionando
um hélice único (197), o criador daquela máquina conseguiu,
não sem dificuldades, levantá-la do chão. E só
poisou quando tinha finalmente realizado, diante de "uma multidão"
e sem ajuda de "vento ascendente", um "voo de 220 metros" (204). Estava,
enfim, revelado pùblicamente que, com potência adequada -
e não apenas com 16 cavalos - uma máquina correctamente motorizada
e pilotada, "era livre de voar" (205).
Este voo de 12 de Novembro de 1906, em Bagatelle, apesar de não
ter sido contra "vento violento" (268), não chegara a atingir um
quarto de quilómetro. Foi pois bem pequeno, mas teve sequência
porque provara a técnicos a possibilidade do voo, o que era inédito
pelo menos na Europa. Se os americanos já o tinham concretamente
excedido, a maneira como tal resultado tinha sido atingido fora de boa
fé ignorada em França, e por Santos-Dumont. Como o era até
por publicações americanas, como o New York Herald (210),
que apresentava o feito de Bagatelle como tendo sido o "primeiro voo mecânico
do homem" (Arr., 210). O mesmo acentuava La Nature (Gondim,, 214). A investigação
europeia foi pois independente da americana. Poderão os Americanos
afirmar a recíproca ?
Mantinha-se ainda em aberto o citado prémio internacional de quatro
mil libras (uns trinta quilos de ouro!) para quem conseguisse voar "mil
metros em círculo fechado". O qual, com grandes despesas, foi disputado
por vários aviadores, como Blériot, sendo afinal ganho em
biplano Voisin, de "motor de 40/50 cavalos", por Farman em Janeiro de 1908
(224).
Até que, em 16 de Setembro do mesmo ano, outro francês, Delagrange,
consegue, em aparelho do mesmo tipo, voar distância superior a 24
kms. (231). Depois destas experiências públicas o Ar estava
definitivamente conquistado, parece que por ter sido compreendido que,
nas curvas, era "absolutamente necessário" inclinar o avião
(Ferber, 128). Tais vitórias eram também devidas à
criação, por Levavasseur, de motores "extra-leves", que pesavam
só 2 quilos por cavalo.
Todos esses aviadores tinham pilotado aparelhos capazes de muito mais:
mas, visto que os campos à roda de Paris - Issy ou outro - por falta
de colinas e vento ascendente, se não prestavam a planar, faltava-lhes
práticas de voo, como a dos Americanos com os seus planadores. A
pilotagem exigia ainda longo treino naqueles aparelhos tão primitivos
e tão lentos. O mesmo acontecia a S. Dumont, apesar da sua prática
a bordo de dirigíveis. Assim o demonstrou com o modelo nº 19,
o Demoiselle, o qual não teve sucesso. Faltavam em Paris as lições
práticas de Chanute (124). Dumont ainda construiu outra Demoiselle,
o nº 20, criação feliz, embora tarde para concursos,
visto que então já todos voavam.
Entra enfim em cena, pelo menos na Europa, Wilbur Wright. Continuaram pouco
conhecidas as principais características técnicas do seu
"biplano", e tanto que Arrudão as não cita. A máquina
começou por ser lançada por "catapulta" (215, 30) como um
planador (211). Parece que o motor era de 40 cavalos (?).
Então os resultados foram brilhantes, indiscutíveis. Tendo
realizado em 21 de Setembro de 1908 - depois do voo de meia hora de Delagrange
- um voo de uma hora (277), logo em Outubro Wright voava com um passageiro
quase 80 quilómetros (231). Contudo é certo que esta proeza
já causou em Paris menos impressão que o voo pioneiro de
apenas dois hectómetros, na "jornada gloriosa" de 1906 (190). O
que teriam feito os Americanos já neste ano? Teriam motores e resultados
melhores que os de França ?
De resto, idêntico sucesso estavam atingindo também os seus
aparelhos os aviadores franceses: pouco depois Farman realizava um voo
de mais de três horas (236) e, logo a seguir, em Julho de 1909, Blériot
atravessava a Mancha. Enfim, "Védrines vara os Pirinéus",
e ganha a corrida Paris-Madrid em três etapas e pouco mais de "doze
horas de voo" (239). O Ar estava domesticado, e os pioneiros Dumont e Wright
tinham-se eclipsado.
Não tardou que o brasileiro, já sem a pretensão de
vencer os grandes records, criasse a minúscula Demoiselle 20, com
motor de 30 cavalos (243), espécie de aviãozinho de passeio,
o qual, segundo a tradição, poderia até passar sob
o Arco do Triunfo da Étoile. Santos Dumont realizara assim o mínimo
avião de turismo. Enfim, em Setembro de 1909, resolvia abandonar
aquilo que, para ele, se tornara apenas sport aéreo.