Como Nasceu o Aeroplano - IV

Capa do Livro

Em resumo:

Já desde 1897 se julgara que um motor leve poderia tornar os planadores independentes do vento ascendente. Faltava, porém, demonstração que revelasse quais teriam de ser o peso e força do motor. A experiência Wright de 1903 nada provara, ao contrário do que o fez a de Novembro de 1906. Ora esta tinha exigido 50 cavalos (197), em lugar dos 16 de 1903, apesar de o aparelho, pesando apenas uns 300 kgs. (198), ser mais leve e não soprar vento forte.

Só Em Maio de 1906 tinha sido concedida a patente aos irmãos Wright mas, por falta de demonstração oficial, nada se sabia na Europa sobre o seu valor prático. Nem eram conhecidos "planos nem cálculos" (211). Compreenderia o privilégio lemes na cauda e, para manter o equilíbrio lateral, o "torcimento das asas" (230), ou os "ailerons latéraux", que Santos Dumont já usou em 1906 (200) ?

Na América as experiências tinham sido feitas em segredo, fosse para garantia do privilégio, fosse para os resultados, com motores fracos, ainda não serem concludentes, apesar de em teoria serem fáceis de prever. E tanto que os sagazes "jornalista americanos, que reivindicam a honra de ser os informadores do Mundo" (211), tão pouco focaram tão sensacional novidade. Não é pois de admirar que, na Europa, se escrevesse apenas que "parecia averiguado" (190) que, em Outubro de 1905 tinham sido voados 38 kms, a 38 m. de altura, e com motor de "24 cavalos" (174). Só depois, em 1906, foram publicados "desenhos esquemáticos" (168) em lugar de fotografias técnicas de voos. Em presença de tais "notícias vagas, quase sempre postas em dúvida", até o Ministério da Guerra Americano se tinha desinteressado, negando subsídio a "aparelhos de voo mecânico" (170).

Não era pois de admirar que na Europa se tivesse duvidado das misteriosas realizações americanas anteriores a 1908, que pareciam reclame pouco verosímil, e sobre os quais Arrudão não dá documentos , limitando-se a aludir a alguns "jornais, livros, e revistas da época" (227). De modo que não surgia razão para em França se acreditar teoricamente em tais voos, fossem de um minuto com apenas 16 cavalos, fossem de meia hora com 24 (174).

Tais notícias da América em nada influíram, pois, nas experiências europeias. Resta-nos saber se estas, públicas, não teriam influído sobre as americanas. Quando teriam os Wright de facto começado a voar ?

Santos-Dumont, que sempre alegou ignorância a respeito da técnica americana, na nota do seu livro O que eu vi "espanta-se" com razão de que tão extraordinários "voos mecânicos" (280) de dezenas de quilómetros, apesar de realizados talvez perante testemunhas, tivessem escapado à "perspicaz imprensa dos Estados Unidos", e aos recursos jornalísticos de "Gordon Bennett" (210, 60, 80), tendo a famosa máquina americana podido ser "guardada em segredo" desde 1903, só tendo sido divulgada em França em 1908, quando já vários outros lá voavam sem segredo, publicamente.

Ao que Orvile Wright - contornando o privilégio exclusivo dos "pássaros que falam" - apenas respondeu (282): "Afirmar que o voo de Santos Dumont foi o primeiro da História, seria o mesmo que admitir que qualquer outro navegador, que não Colombo, tivesse descoberto a América porque ela não foi homologada por nenhum clube de Descobridores".

Ora a equiparação é pouco feliz: Não foi só por declarações de pássaros que se acreditou na descoberta de Colombo. Ele não foi em 1492 às terras ocidentais pelo ar em segredo, e regressou acompanhado de testemunhas, colaboradores. Reiterou suas viagens e, afinal, até o seu depoimento era em parte falso, porque ele nunca chegou à Ásia. Nem de tal erro tentara fazer mistério... Assim, tudo ficou "homologado" sem dependência de algum clube de Mareantes.

Pois bem. O caso agora é análogo. Se o passo definitivo de Colombo, em 1492, simboliza o Descobrimento da América independentemente das muito prováveis visitas anteriores - as de sagas e várias outras - o mesmo se dá com o passo de Santos Dumont em 1906, que, apesar dos boatos , simboliza aquele Descobrimento definitivo do Aeroplano, o qual, como o das Antilhas, por Colombo, foi verificado e teve seguimento, sem dependência de ter sido "homologado".

Assim, na nossa ignorância geral a respeito dos recursos técnicos de facto aproveitados na América anteriormente aos vôos, tanto de Dumont em 1906, como dos Wright em 1908, se é certo que não podemos negar os sucessos americanos, tão pouco os podemos afirmar com a mesma completa e rígida certeza com que todos o fazem a respeito das experiências realizadas em França, sem "segredo" nem "falta de testemunhas" (167), a começar em Novembro de 1906. Trata-se de facto, ao passo que não há prova conhecida, e nem ao menos declaração, de que os Wright tenham adaptado ao seu planador de 1903 um motor de peso reduzido e de força suficiente para voar, antes de na Europa o vôo integral ter imposto motores especiais, leves e de 50 cavalos como os de Levavasseur. Como seria essencial.

Só então a primitiva crença nas possibilidades de uma máquina com asas e motor se revelou realidade (214). A técnica americana, apoiada em "resultados apócrifos, ou simplesmente afirmados" (Ferber, 193), não revela supremacia sobre a europeia.

Enfim, partindo das informações concentradas na "pequena história da aviação", em consciência, é-nos lícito duvidar de que alguns dos vôos reais dos Wright tivesse sido anterior aos vôos de facto realizados em Paris. Porém é certo que aqueles vôos em nada foram aproveitar, nem a Santos Dumont, nem aos outros pioneiros que, com certeza, sabemos como desde 1906 voavam em França integralmente, digamos, tomando o Ar sem colina ou torre de lançamento, e sem vento ascendente.

De modo que, nem a inscrição do "marco comemorativo" de Bagatelle sobre "les premiers records d'aviation du monde", nem a figura simbólica em bronze do monumento de St. Cloud, mentiram. O marco, de acordo com The Illustrated London News, regista "the first flight of a machine heavier than air", e o monumento do Aero-Club de França, apesar de violado e de a escultura ter desaparecido, ainda no seu pedestal continua registando a precedência (168) do "pionnier" Santos-Dumont, e de outros, atingida em França independentemente das anteriores tentativas americanas, bem ou mal sucedidas. Aliás, até as europeias, como as de Ader em 1897.

As coisas passaram-se como se os Wright tivessem voado na Lua ou, digamos, no interior da Libéria (156). O que se lia nos "jornais", vago, duvidoso, não-técnico, como aquilo que os Wright contavam em suas cartas, não era suficiente para convencer (156). Eles nem declaravam se já tinham conseguido decolar, correndo em planície. Donde resta concluir que, ao passo que as suas experiências em nada tinham influído nos sucessos de Santos-Dumont e outros, nada autoriza uma crença em que os resultados sucessivamente atingidos e divulgados na Europa - como os de Dumont e Levavasseur - não tenham, ao contrário, concorrido para melhorar as realizações dos sagazes Americanos. Onde está a prova da pura originalidade dos Wright ? Ora, afinal, até foi o Brasileiro quem estimulou e "animou" em Paris um clima aeronáutico (16, 212) para os futuros experimentadores.

Torna-se pois lícito aceitar Santos-Dumont como sendo, pelo menos, o autêntico realizador do primeiro vôo público que a História regista. Assim ele logrou convencer o homem-da-rua de que o "velho sonho da Humanidade" (200), VOAR, se tornara realidade. A batalha do Aeroplano estava ganha em França quando lá chegou a demonstração americana.

Por isso o piloto civil Matias Arrudão, no seu detalhado trabalho técnico - que intitulou "reportagem" (11, 16) - apesar de se ter apoiado nas declarações do Almanaque Mariotte, e de dar importância a artigos de "jornais sobretudo" (13), reconhece a originalidade e liberalismo material do experimentador brasileiro, sendo em conclusão levado a conceder "A Santos Dumont a glória das Asas".

(No Hospital, 1948, Setembro)

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SOCIEDADE ASTÓRIA, LDA.
REGUEIRÃO DOS ANJOS, 68
L I S B O A
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NOTA: Copiado com alguma paciência, mas muito carinho e admiração pelo Autor, do exemplar original, assinado (na incerteza de quantos exemplares ainda existam), em vésperas de o oferecer, com muita amizade, ao Capitão de Fragata Seabra de Melo, Comandante do navio oceanográfico "Almirante Gago Coutinho".

Lisboa, (52 anos depois) - 2000-09-07

Avelino Carlos Cañamero de Matos

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