Alberto Santos=Dumont - Uma Homenagem ao Pai da Aviação

Catapultadas até as
pedras voam ...

Marcus Mello
Analista de Sistemas IBM
Piloto de Ultraleves

Matéria escrita a pedido da Prof. Suely Reis Pinheiro (UFF/RJ) para publicação na revista Hispanista. www.hispanista.com.br


Aplique força a um objeto e ele se deslocará, até que forças contrárias, como atrito, gravidade, etc, o façam parar.

O conceito de avião esbarra no princípio de veículo autônomo de forças exteriores, assim como um carro.  Ou seja, um carro que apenas se desloque "ladeira abaixo" ou com "auxílio de ventos", ou ainda "empurrado" por molas, contra-pesos ou mesmo pessoas não é “um carro”, é apenas “um veículo com rodas”.

Um aparelho dito "avião" NECESSARIAMENTE tem que se deslocar por MEIOS PRÓPRIOS,  caso contrário não é um “avião”, é apenas “um aparelho com asas”.

Balões no Aeroclube

Esse era o dilema nos tempos de Santos=Dumont.  Muitos tentaram construir o avião, um aparelho capaz de voar por meios próprios, sem auxílio de forças externas, capaz de decolar, voar, e pousar autonomamente.

Para intermediar as disputas pela primazia e definir regras claras para os concorrentes, foi criado o “Aéro-Club de France”, o primeiro aeroclube do mundo.

Quando foi criado, apenas balões voavam, nem mesmo o dirigível havia sido criado por Santos=Dumont.




Em 1898, aos 25 anos, Santos=Dumont construiu seu primeiro balão, o “Brasil”, com apenas 113 m3 de volume de gás! O menor balão do mundo. Nessa época as dimensões variavam de 500 a 2.000 metros cúbicos de capacidade, sendo o menor construído de 250 m3.

Na foto ao lado ele é o menor. Sua cor quase transparente se deve à criatividade de Santos=Dumont, que adotou a seda Japonesa, mais resistente, para sua construção.

Em 24 de março de 1900 foi criado o Prêmio Deutsch, de 50.000 francos, estabelecendo-se as regras para o que seria considerado um vôo de balão controlado, ou como conhecemos hoje, o dirigível.

Balão "Brasil" no chão



Santos=Dumont não ganhou o prêmio na primeira tentativa.  Na foto ao lado vemos o Dirigível Nº 5 pouco antes de um grave acidente em 27 de Agosto de 1901.  A falha de uma válvula de gás fez com que o dirigível murchasse e perdesse altura, explodindo ao tocar uma chaminé sobre o Hotel Trocadero.

Dirigível 5

Dirigível Nº 5 após a explosão


Ele  escapou por ter se amarrando à nacele (barquinha, cesto) pouco antes da explosão, tendo sido resgatado do alto do prédio pelos bombeiros de Paris.

Em 19 de outubro de 1901, menos de dois meses depois, às 14h42min, Santos=Dumont partiu com seu Dirigível Nº 6 para circundar a torre Eiffel e após 29min30s  encontrava-se sobre o ponto de partida, vencendo o Prêmio Deutsch.  As fotos do Dirigível Nº 6 não ficaram muito nítidas devido ao mau tempo naquele dia.


Dirigível Nº 6 contornando a torre sob mau tempo

Santos=Dumont doou integralmente seu prêmio de 50.000 francos aos pobres de Paris, e aos seus mecânicos.

Vale lembrar que naquela época Paris era a capital da tecnologia mundial, e pouco antes haviam inventado o cinema!

De 1901 a 1906 Santos=Dumont construiu 14 Dirigíveis, aperfeiçoando cada vez mais seus motores, aumentando-lhes a potência a partir de recursos da engenharia mecânica, ciência que dominava plenamente.

Em julho de 1906 foi instituído o prêmio Archdeacon de 3.000 francos, para o primeiro aeronauta que conseguisse voar por mais de 25 metros em um vôo nivelado.




Com o objetivo de conquistar o espaço com um aparelho mais pesado que o ar, Santos=Dumont fez experiências com um novo veículo pendurado no Nº 14. O  aparelho era mais pesado que o ar e passou a se chamar "14-BIS".

Dirgível 14 auxiliando nos testes do 14-Bis



Teste de Centro de Gravidade do 14-Bis


Santos=Dumont empreendeu vários testes com o 14-bis, através de um sistema de cabos e roldanas e um plano inclinado, no qual testava a dirigibilidade do avião, e ajustava o seu "Centro de Gravidade".

Este teste é FUNDAMENTAL para a construção de qualquer aeronave, até hoje.

Aqui vemos mais um feito original do aeronauta; construiu aquilo que pode-se chamar de primeiro simulador de vôo da história.

O "14-BIS" não necessitava de veículo auxiliar. Desta vez Santos=Dumont estava disposto a se elevar do solo contanto somente com o seu avião. 

Todo o conjunto pesava, com o aviador 290Kg.  O motor tinha inicialmente uma potência de 24 HP.

A 21 de agosto de 1906, Santos=Dumont realizou a primeira tentativa de vôo; mal-sucedida, dada a pouca potência do motor do 14-bis.

No dia 13 de setembro, Santos=Dumont realizou o primeiro vôo, de 7 ou 13 metros (segundo diferentes versões), que culminou com um pouso violento, no qual a hélice e o trem de pouso foram danificados.

 Ele reequipou o 14-bis com um motor modificado para 50 HP e diminuiu o peso em cerca de 40 Kg. 

Com esse avião, Santos=Dumont conseguiu realizar, em 23 de Outubro de 1906, o primeiro "vôo mecânico" de mundo, devidamente homologado,  alcançando a distância de 60m, em vôo nivelado a uma altura que variava entre 2m e 3m com duração de 7 segundos. 

Com esse feito, Santos=Dumont arrebatou os 3.000 francos do prêmio Archdeacon.

Instalação do novo motor de 50 HP

Portanto, Santos=Dumont havia resolvido o problema do vôo num aparelho mais pesado que o ar: o "14-BIS" realizou uma corrida sobre o  Campo de Bagatelle, desprendeu do solo, voando em linha reta e pousando em seguida, sem qualquer avaria.

Somente não voara um percurso maior, por que a grande multidão, que afluíra ao Campo para assistir a este grande evento, correra em direção ao "14-BIS", como que extasiada por aquele verdadeiro milagre que acabava de acontecer. 

O Aeroclube de França, criou então outro prêmio conferido "ao primeiro aeroplano que, levantando-se por si só,  fizesse um percurso de 100m com desnivelamento máximo de 10%".


A 12 de novembro de 1906, menos de um mês depois, surgiu com o "14-BIS" exibindo uma novidade: os "ailerons", pequenas superfícies móveis colocadas nas asas e com o propósito de manter o equilíbrio horizontal do avião.  

Santos=Dumont melhorou ainda mais a performance do 14-bis e a sua habilidade em pilotá-lo, ao realizar vários vôos sempre aumentando a distância percorrida.

O 14-Bis em decolagem


Naquela segunda-feira, ao cair da tarde, ele conseguiu voar 220m, a 6m de altura do solo, em 21,2 segundos a uma velocidade média de 41 Km/h.

O 14-Bis a 6 metros de altura do solo

Conquistara, portanto, o outro prêmio, oferecido pelo Aeroclube de França.

Desta forma, bateu seu recorde de 23 de Outubro. A multidão envolveu o "14-BIS" e Santos=Dumont saiu carregado em triunfo pelo povo que  acorrera ao Campo de Bagatelle.

Toda a imprensa mundial noticiou seus dois grandes feitos.


Ele descobriu o “Cálculo de Área Alar” e a “Relação Peso x Potência até hoje utilizados na indústria aeronáutica.  Ele refinou seus conhecimentos a ponto de conseguir total domínio sobre o vôo com apenas 35 HP no seu avião “Demoiselle”.

Demoiselle em vôo


Planta do Demoiselle



As plantas do “Demoiselle” foram doadas às universidades, e infelizmente sua construção em larga escala serviu para o treinamento militar dos pilotos da Primeira Guerra Mundial.


Ele ousou rasgar os céus. Ousou voar.  Sim, lhe devemos isso. Porém, sua herança é mais que uma máquina.  Santos=Dumont nunca patenteou nenhum de seus inventos. Trabalhava para a humanidade.

Não devemos vê-lo apenas como um inventor. Devemos admirá-lo pelo homem que foi. Pelo seu caráter, retidão, e ousadia!

O Demoiselle em triunfo


Com que inteligência copiosa não o presenteou Deus, e como, como soube usá-la.

Revolucionou.  Perpetuou em nós seu sonho de liberdade.

Hoje, queremos mais que o céu, mais que a Lua.  Aprendemos com ele a voar além "desses" céus.

Sem deixar de enaltecer seu invento, afirmo: sua herança maior foi moral; sua determinação nos é de maior valia.  Sua vida, seu exemplo.

A nós, herdeiros seus, não nos basta tão somente admirá-lo. Mais nos vale seguir seu legado, perpetuá-lo em nossa existência. Ousar, revolucionar.

Acreditar no potencial instituído a nós por Deus. E voar, voar, voar, como ele voou.

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